Thursday, August 30, 2012

Faço um bolo novo velho. Cada ingrediente acumulado à massa informe é uma repetição dos gestos da minha mãe que eu observava atentamente enquanto produzia o meu alimento. Sentindo tanta admiração por ela que não a queria largar da minha vista, gravando todos os gestos que ela tornava sistemáticos para mim. Para que eu pudesse armazenar junto de outras utilidades para o futuro porvir. "Bate-se o bolo com amor, até fazer bolhinhas de ar. Senão não cresce.", dizia-me a minha mãe. E eu, com quatro anos de idade, ainda não compreendia na sua completude o que era o amor, porque o amor era naquela altura uma presença assídua e reconfortante. Na memória dos sentimentos guardava só mesmo a dor física súbita e momentânea das minhas mãos enroladas em tecido branco corrido. Marcadas por tê-las metido dentro do forno a escaldar, num espaço temporal em que a minha mãe retribuía amor à massa do bolo. Depois foram as marcas das minhas mãos que foram desaparecendo com o amor disciplinado da minha mãe. O mesmo que fazia um bolo crescer dentro do forno.

1 comment:

tynta said...

Que lindo! ^.^