Friday, April 17, 2009

Em estado de querer sentir falta

Intumescidos ardores
Na sua personificação singela e embrutecida.
Tornam-se peles contra peles
E Olhos que se enxovalham
Num processo de coisificação em quereres excessivamente repetíveis.
Um, dois, três.
Quatro, cinco, seis.
Sete.
Oito, nove e dez solavancos nocturnos.
Pois aquele que possuía tal desejo genuíno de ardentes beijos e carícias,
Tomou por hábito esconder-se atrás de um biombo de dúvidas e inseguranças.
Por fim, em simultâneo aliadas do silêncio e das palavras.
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Foram os pés dela. Aparício sabia agora que apenas poderiam ter sido os pés dela a evitar o fim daquele amor.
Ele tinha já aquela percepção frustrada de que ela desapareceu da sua vida há apenas um dia. “Para nunca mais voltar”. Lia no papel que ela lhe passou para as mãos antes de fechar a porta do lado de fora da rua. “Porque nunca dialogamos e esta é a única forma de te aperceberes que não podes ficar calado durante meses seguidos, quando sabes perfeitamente que partilhas a tua vida com outra pessoa na mesma casa”.
Mesmo após ter lido e relido este excerto decisivo vezes sem conta, Aparício não conseguia decifrar esta avaliação externa sobre o seu próprio comportamento.
Ainda por cima ela já sabia que ele era assim mesmo antes de decidir que deveriam viver juntos. E ele que nunca escolheu, fez dele a vontade dela.
Por isso é que tinha ajuízado que ela tinha aprendido a lidar com esta característica. Porque as palavras, no entender de Aparício, sempre foram um desperdício e fonte de muitos problemas nas sedimentações relacionais entre as pessoas.
Assim, o silêncio era uma qualidade já orgânica nele mesmo. Seria um dom adquirido apenas para que pudesse conformar-se com o mundo. Entendê-lo.
Pois que tal compreensão profunda sobre o Mundo nunca nunca se revelou recíproca. O Mundo nunca o compreendeu e, por isso, foi sempre uma relação infeliz e desigual para Aparício, que nunca se rebelou contra tal desiquilíbrio.
Só que Aparício não poderá desinvencilhar-se desta relação, da mesma forma de como se desinvencilhou das palavras, por depender profundamente da energia que produz. Sem as relações, Aparício sabe que irá adormecer e a sua alma será condenada a residir numa bolha de letargia inquebrável.
Um dia depois, os síntomas de dependência física começavam a despertar em Aparício. Começava a sentir falta de observar o dedo indicador da mão esquerda dela. Aquele mesmo dedo que ela lhe apontava com tanta frequência nas últimas semanas. Também a boca. Aqueles lábios perfeitamente desenhados, sem ter recorrido a métodos artificiais, e que o acusavam vezes sem conta de não sentir nada mais para além de indiferença. E os pés dela. Que ele sabe que nunca irão inverter o percurso desenhado no dia anterior. Foram os pés dela que a obrigaram a ir-se embora. Concluiu ele. A culpa do fim do amor é dos pés das pessoas e não das próprias pessoas. Os pés é que são irrequietos e, depois de imporem exigências absurdas, decidem invariavelmente que não querem permanecer naquela casa.
Foi assim que Aparício decidiu que o Coração reside nos pés e não no peito das pessoas.

Wednesday, April 01, 2009

Réplicas

Existiram noites prolíferas de diamantes esmagados por milhõezinhos de réplicas diminuidas em pedrinhas esgotadas por vaidades nervosas e sintetizadas no plano atmosférico.

Se a inabilidade do acaso poderia ter mantido tudo uno, também serviria tal propósito a impermeabilidade dos sentidos. Do reagir ao sentir, apenas o desvanecimento continuaria a concretizar o escopo do Infinito.

E se as flores são belas (!), pois que nos parecem sempre iguais a si mesmas. Assim como as jovens – aquelas que só vimos num relance apressado - parecem ser jovens eternamente e as velhas – também as que conhecemos numa só oportunidade– serão sempre velhas sem nunca terem sido jovens. E apenas eu é que envelheço por estágios. Só eu é que nasci na minha memória porque não vi ninguém nascer. A não ser eu.

Porque sou jovem agora, reconheço que poderei a vir a ser velha depois.

É a estranheza de tal conclusão que me antagoniza contra os velhos sempre velhos e os jovens eternamente jovens. Que sabem ser sempre iguais a si mesmos. A todos sem excepção.

E porque é que quando se relatam pequenas histórias de meninas ingénuas e fugídias, estas meninas sucumbem para sempre perdidas num beco escuro da cidade.

Serão essas meninas que nunca trajaram saias rodadas com flores vermelhas e amarelas. Nem sequer sapatos de cetim. Que nunca pousaram um chupa-chupa caramelizado nos seus dentes luzídios e perfeitamente alinhados. Que nunca pentearam os seus cabelos louros em tranças que cheiram a morangos, panquecas recheadas de doce de gila e a calor do final de tarde de um dia de Verão.

Também são meninas que nunca se sentiram vocacionadas para jogar às escondidas. Oferecem-se aos ladrões de réplicas de diamantes que, oportunamente, vão roubá-los aos seus olhos brilhantes que, despojados de vaidades, os ofertam indiscriminadamente.

Somente por se julgarem para sempre captivos de jovens ingénuas e fugídias num momento rebuscado das minhas memórias.