Sunday, December 28, 2008

Mais uma manhã azul. Mais uma.

A manhã azul é oposição ao dúbio conhecimento de tudo. O objecto muda consoante as horas e a iluminação vai escasseando em vermelhos subliminares. Do azul para o vermelho. No meio um branco vazio de existência.

Eu infirmo.

Faltam-me forças para enfrentar a manhã azul que não me trouxe qualquer novidade ou chamamento. Apesar de a alvorada já ter sido. Já foi. Já foi.

Repito com paciência constante. Já foi.

Não agradeço este novo dia. Fico à espera enquanto a manhã azul se povoa de nuvens. Enquanto a atmosfera serve o seu propósito redentor e lava todos os recantos do corpo.

Depois aparece o meio do dia.

De cabelos alvoraçados estico as mãos meio metro acima do corpo. Alcanço mais um pouco de atmosfera e mais nada. As nuvens começam a fugir endemoniadas pelo vento e eu desço meio metro abaixo do corpo, sento-me e adormeço até à próxima manhã azul que decidir despontar aqui.

Saturday, December 06, 2008

Por fora do teu corpo

Deixa a surpresa vociferar por entre os olhos raiados de expectativa que se comunicam por entre fios descarnados nas cidades húmidas, quebradas e surpreendidas em vis mãos que se trocam no passageiro tu e que se emparelham nas nucas dos pés descompostos por fora do corpo, do teu!, porque uma vez a descoberto para sempre lúcido.

Das minhas cidades possuo apenas conhecimentos artificiais. É por isso que me são tão queridas e tão indistintas umas das outras.

Friday, December 05, 2008

O grupo

Um grupo de pessoas que procura comida sem interferências espaciais e sem qualquer gesto de violência imperpretado contra o outro. Apanham sacos do chão e vasculham por entre os restos de comida de um supermercado que fechou faz 5 minutos. Durante o dia aquelas pessoas, embora com vivências semelhantes, vasculham outros locais escondidos de quem não tem as mesmas necessidades. E dormem no chão e andam perdidos no mundo por querer ou se não tiveram outra opção. E no querer ficam abrangidos todos os conceitos daí aferíveis. Vontade, opções, inércia, acção, vício. Tudo o que era acessível à vontade e às fraquezas de qualquer ser consciente que vive, respira, come e caminha. E onde poderão existir quereres conscientes. Serão as nossas opções de normalidade as acertadas, sem ser veículadas. Não serão essas mesmas opções que nos levarão à autodestruição. Dispersa, volto a concentrar-me nas pessoas que vasculham restos à procura de comida que mais ninguém quis. Perfazem 10 horas e 5 minutos da noite e surpreendo-me com a morosidade pormenorizada e harmonizada com que aquelas pessoas se dedicam à mesma tarefa. É um grupo de cerca de 20 pessoas, sexo feminino e masculino, de várias faixas etárias. Não existe gente muito nova. Se calhar a gente muito nova, com aquele tipo de orgulho peculiar sempre comum a gente muito nova, não considera tal como possibilidade aceitável. Aquelas pessoas entrosam-se no meio em que se movimentam. O que é que lhes falta para serem incluídas no conceito de normalidade, de quem consegue acordar de manhã e apanha o comboio todos os dias muito cedo, que durante as viagens olha para as outras pessoas num acto recíproco, sendo algumas as que lêem livros ou que procuram uma resposta num e as que observam outras pelo reflexo nos vidros das janelas para evitar olhares directos e confrontadores. Todas pensam qualquer coisa no caminho. E todas, sem excepção, sentem falta de sono. Falta-lhes o descanso proporcional às suas vontades mais íntimas? A ausência rítmica de novidade absorve a voz. Talvez tenha sido essa ausência que trouxe quotidiano aos gestos das pessoas que procuravam alimento no lixo e que as torna tão próximas do eu que agora procura a conceptualização do grupo.