Thursday, June 18, 2009

Polifonia

Não existem segredos escondidos nesta casa.
Em vez desses segredos, circulam por aqui as verdades do coração que se exprimem em partilhas necessárias, opostas ao que se se revela protegido nos outros.
E nem os pudores são para aqui chamados. Ficam pendurados na porta de entrada enquanto lhes deitamos a língua de fora com um olho semi-aberto e outro semi-fechado. Expressão de máscara de ópera chinesa de desaprovação.
Porém, os sentimentos segregam-se e mantém-se a possibilidade de conversão às tais frestas onde se enfastia o monstro da dúvida.
Só que os medos, que chegam a assumir a forma horripilante de realidade antecipada, sacrificam-se nas janelas da nossa casa por onde entram os raios da luz sempre matinal. Na nossa casa. Tudo isto na nossa casa, onde as flores germinam ao acaso e sem temores estupidificadores que se lhes interponham. Onde os nossos mundos se encolhem quando cá entram e se expandem quando de cá saiem. Mais ricos. Mais verdadeiros. Mais sólidos.
Contra a sublimação de quaisquer mensagens, os gestos e as palavras são revelados em mímicas rodopiantes de sonhos a formarem-se. Que acenam em aprovação. “Sim, continuem!” E, enquanto tudo se vai desenrolando, a louça emparelha-se numa orquestra absurda, a vassoura troca o passo connosco em simultaneo com entes invisíveis de aparência física de fada do bosque, o aspirador suga a física do ar e as camas abrem-se para que nos acolhamos nelas.
Fechamos então os olhos em lençóis de branco límpido para que tudo fique negro, - tudo não, que continuam por lá os pensamentos. Só que são já duas da manhã e não se dorme nesta casa. As habitantes partilham as verdades do coração e sonham em voz alta e em polifonia harmoniosa.

Sunday, June 07, 2009

Mãos

Prontificas-te a despir o teu vestir vertido em tuas mãos sôfregas de coabitação. Como se divergisses íngreme em prol do incremento de uma ilustração despreocupada.

Reavivo-te. Eras sempre o primeiro a arrojar novo repto para qualquer dúvida adjectiva. Num momento específico, os teus passos ajeitaram-se em caminhos agonizantes por onde te desossas em inércias criativas e em estiramentos dançantes e cantantes e domesticados em espaços oblíquos e agrestes.

Possuís ainda essa contra-natureza trocista de luz tremeluzente. E continuas a consolar-te com pouco, com muito menos do que a sombra que és agora. Se é que ainda permaneces sombra. Menos do que isso, admito desconhecer. Mais, também não me recordo.

Deleitamo-nos com aquela diferença fundamental sobre um passado em comunhão. Agora enclausuras-te em risinhos nervosos e débeis e qualquer refutação implicaria um esforço excessivo de continuidade no sentido de uma objecção fervorosa. Para que servirá tal conjuntura de reais percepções em lacuna, senão para que seja vocacionada para uma partilha estilhaçada em tuas mãos.

São deleitosas as tuas mãos. Penso-o sem deixar de me Sentir instigado por estes ateares de fogueiras. Sou fogo-posto porque a tua ausência de intenção arde-me por dentro e nem sequer me recompensa com alguns daqueles beijos colhidos em casualidades por decifrar. Em rupturas cimentadas por astros-rei e satélites giratórios em torno do respectivo objecto de veneração.

Representamos assim todas as Eras e os escritos que se desaguaram em arruamentos sub-reptícios da nossa história. Pois que seriam os únicos. Todos os outros encontravam-se pejados de gente exposta à tua anuência oportuna.