Friday, September 03, 2010

C. procurava rejuvenescer através de gestos e de palavras que segurassem o corpo de M. num momento instantâneo e perfeito. Mas M. teria uma alma própria que poderia contrariar as suas intenções. E C. precisava de pouco menos do que uma alma singular. Precisava de fazer desaparecer os cabelos cor de prata e de regressar a um lugar seguro da sua vida, perdido num nicho da sua vida adulta, uma vez que, independentemente de tudo o que pudesse ser sentido, antevia um final muito próximo para si mesmo. Para amanhã ou para daqui a 20 anos. Não importa.
E aquela versão da música que lhe despertou os sentidos tantas vezes, na sua juventude, e que lhe chegava aos ouvidos impingida pela força do vento que também lhe fustigava o corpo acumulado de tantas outras vivências? Como é que seria possível que, naquele preciso momento precioso que o Universo lhe concedia, aquela música se materializasse ali.
Apesar de profundamente inquieto pelo momento que se compunha na sua existência e pelos seus próprios sentimentos que brotavam de uma fonte que ele não sabia localizar dentro de si, cuidava C. que M. soubesse de tudo. Que se apercebesse que o Tempo só traz dor e outros sentimentos de igual carga individualista. C. tentou fazer compreender tudo isso a M. de uma forma suave, para não a assustar. Mas M. pediu-lhe para que a levasse daquele sítio para outro mais agitado e pejado de pessoas.
O vento e o tom da voz dele começavam a assustá-la, na mesma proporção daquele abraço que se tinha enrolado à volta da sua cintura e que não era parte de um gesto inadvertido, mas sim tornado consciente por via de um intuito. Desapontado consigo mesmo, C. concedeu a M. a liberdade física por que ela ansiava e daí por diante não teve outras expectativas para si mesmo a não ser que o envelhecimento se tornasse pacífico, porque todos aqueles gestos e palavras não seriam nada mais do que um estrebuchar dos resquícios de uma juventude já perdida para ele.