Wednesday, December 19, 2007

Pai & Filho conversam (Ensaio sobre quem espera - I)

Onde permanece a tua vida se não a remisturaste com o som?
Se eras a personagem magnífica e entristecida que veio parar às minhas mãos
E se destruíste o resquício de alegria que poderíamos ter partilhado
E as mútuas ambições idealizadas
E de tantas verdades repetidas que tu soubeste enviar
Fizeram-se duas ambições que não se espelham mas conflituam-se.


O homem partilhou duas noites vazias com um outro. Passou o tempo todo a olhar para quem não o observava, cigarro com cigarro por movimentos de continuidade. Onde estaria a realidade daquele gesto? Nem se questionava por receio de parar abruptamente e de ter de reiniciar outra partilha. Outras duas noites. Já longínquo o início que ele próprio nem se lembrava. Somente de arrastar o corpo escadas acima. Para ele o corpo era o peso-pluma que flutuava irregularmente sobre a matéria estática. O peso que vivia escondido na alma e que vagarosamente seguia-O com o prazer reincontrado Nele mesmo. A fase seguinte foi assentar um gesto desenvolvido por um padrão comum num cadeirão velho que Lhe pertencia. Segurou um cálice de vinho do Porto numa mão e um cigarro apagado faz anos na outra. Nestes dois dias esperava-O chamar por sua mulher. Tal como chamara todos os dias da sua vida – pelo menos naqueles anos em que se lembrava dele e ele com a força e o vigor de outrora. Onde estava a vida naqueles olhos. Aquelas elucubruções profundas de quem considera o sentido da vida e encontra-o nas verdades simples. “Deves casar-te”. “Deves ter filhos”. Desde que a idade adulta abatera-se à minha volta que ele considerava que tudo em mim seria remediado pela família. Nem tentei fazê-lo. Saberia que iria falhar porque teria Ele feito o mesmo comigo. Agora Ele já era outro tempo e o sentido da vida não fazia existia. E a minha Mãe? Mulher Dele. Porque é que a minha Mãe não veio quando Ele chegou. Ela que quando se apresentava tão doce e tão vazia com aquele desfasamento de conteúdo entre os dois e comigo no meio. E eu sem perceber fui simultaneamente raíz de união e motivo de discórdia entre os dois. O peso a que Ele sucumbiu foi perante essa tomada de consciência. Eu perguntei-Lhe vezes sem conta onde é que eu me perdi nesta vida. Silenciosament e Silêncio como resposta. Finalmente, observando este materialismo assente à minha frente a beber profusamente um cálice de vinho do Porto e aspirando o resto do cigarro da noite espero eternamente por uma resposta Dele. Espero ansiosamente que Ele possa dizer-Me porque é que vim.