Friday, August 29, 2008

Depois de o céu ter desabado.

Depois de o Céu ter desabado no outro lado onde o bosque crescia e mesmo depois de terem começado a elevar casas da parte de trás das nossas, os pássaros esqueceram-se de ir-se embora. Começaram então a povoar as varandas com as casas onde iriam nascer as suas próprias crias. Todas as varandas foram confundidas com ramos de árvores pelos pássaros que não sabiam que o céu tinha desabado naquele sítio. E as pessoas questionavam-se. Porque é que eles não se vão embora? Porque é que fazem deles a nossa casa? E os pássaros questionavam-se sobre a nova espécie de árvores onde construiam os seus ninhos. Pontos de interrogação elevavam-se dos seres que não podiam comunicar entre si. Aliás, essa era a única certeza entre as duas espécies. Havia perguntas mas não havia respostas porque a Incompreensão dominava naquele espaço povoado de casas para Homens e de casas para Pássaros.

Thursday, August 28, 2008

O céu desabou.

O sentimento de que tudo permaneceria constante e igual em redundância. Os nossos passos controlados por pais sempre omnipresentes. O pensamento de que um-dia-vais-crescer-e-este-dia-de-hoje-que-nunca-mais-termina-e-por-isso-o-dia-em-que-vais-crescer-se-encontra-longe-muito-longe. As tardes destruídas num olhar contínuo e direccionado para o topo de um prédio que parecia estar sempre a desabar sobre as nossas cabeças. Era como nos livros do Axterix. O céu um dia ainda desabava mesmo sobre as nossas cabeças. Mas esse dia ainda não era o de hoje e por isso íamos às nossas vidas e esgotávamo-nos uns com os outros até ao dia em que tudo desabava segundo as nossas premonições violentas de cinzas efervescentes e gases mortais. Só que esse dia amplamente profetizado nunca chegou. Era apenas o Tempo e o efeito alucinante da rotatividade da Terra. Ainda não tínhamos descoberto as leis da Física e do Universo. Nem as leis da nossa própria mortalidade. Depois, essas descobertas graduais impuseram-nos a substituição de umas ideias por outras. A ilusão vacilante de desabamento foi desaparecendo. Assim como o Pai Natal e a Fada dos dentes. Também havia a Bruxa que vivia no bosque que crescia desnorteado atrás das nossas casas e que um dia tanto se enfureceu que incendiou a sua própria casa que eram as árvores, as pedras, o caminho de terra poeirenta ou de enlameado brilhante – dependia sempre do estado atmosférico do céu que nunca mais desabava para nossa impaciência –, o musgo, os animais. Depois disto, e tendo contemplado impotente a destruição a que tinha dado origem, a bruxa consciente pelo seu último acto de magia irreflectido, fez as malas e fugiu impune. Como num sonho, observei toda essa sucessão de acontecimentos empoleirada num parapeito de uma janela que era muito mais alta do que eu. Depois de a bruxa ir-se embora, apareceram as máquinas rugidoras e o céu desabou sobre as árvores que restavam. Mas não sobre nós. E porque o céu desabou sobre as árvores e não sobre nós, deixámos de ter um bosque atrás das nossas casas e passámos a ter outras casas com outras pessoas e, na parte de trás das casas deles, existiram sempre as nossas. Nós atrás deles e eles atrás de nós.