Thursday, August 30, 2012

Faço um bolo novo velho. Cada ingrediente acumulado à massa informe é uma repetição dos gestos da minha mãe que eu observava atentamente enquanto produzia o meu alimento. Sentindo tanta admiração por ela que não a queria largar da minha vista, gravando todos os gestos que ela tornava sistemáticos para mim. Para que eu pudesse armazenar junto de outras utilidades para o futuro porvir. "Bate-se o bolo com amor, até fazer bolhinhas de ar. Senão não cresce.", dizia-me a minha mãe. E eu, com quatro anos de idade, ainda não compreendia na sua completude o que era o amor, porque o amor era naquela altura uma presença assídua e reconfortante. Na memória dos sentimentos guardava só mesmo a dor física súbita e momentânea das minhas mãos enroladas em tecido branco corrido. Marcadas por tê-las metido dentro do forno a escaldar, num espaço temporal em que a minha mãe retribuía amor à massa do bolo. Depois foram as marcas das minhas mãos que foram desaparecendo com o amor disciplinado da minha mãe. O mesmo que fazia um bolo crescer dentro do forno.

Tuesday, August 28, 2012

Forma-se cadência de ânimo firme perante o que se pensava ser arbítrio e afinal recusa-se a sê-lo. Não lhe pertencendo carácter de propagação da realidade no cosmos obstruído, corrompido e vergado pela História. Mesmo por Aquela em que as autodeterminações ainda não eram presentes e um Espírito gozava de morada certa na grande escuridão. Mas já depois de ter inventado tudo, por receio aos pecados da carne que motivam o ânimo continuado das vontades, que mesmo assim fez urdir mais tarde juntamente com a culpa. É assim que fazemos com que a cadência das vontades se perpétue e se sacie de uma realidade quebrantada, já com vício na sua concepção. E se estamos todos aqui é porque essa realidade venceu-nos e achámo-nos circunscritos ao mesmo ar e às mesmas minuciosidades que deveriam distinguir-nos entre nós. Em que o brado da aflição ficou contido em forma de puzzle para nos totalizar num rumorejo todo igual.