Monday, May 04, 2009

Abril

Marinhava errático por aqueles montes desconhecidos da sua memória. Já ali estivera fisicamente, sabia-o bem, com a Avó já desaparecida faz mais de 20 anos. Mas por onde deveria seguir agora?

Noutros tempos tudo era colossal. Mesmo a sua própria Avó que, na realidade, não tinha mais de 1 m e 50 cm. Uma velha igual a tantas outras. Com o luto enrolado no corpo, dos pés à cabeça, já desde os seus 30 anos. De semblante enrugado, mãos calejadas de tanto, tanto, trabalho e esforço e com a voz cheia de riquezas em forma de histórias e de canto.

Lembrava-se agora ele que quando a sua Avó cantava, como que amanhecia no seu Coração. Assim como que amanheceu no coração do seu Avô, quando a cobiçou da primeira vez que depositou o olhar nela.

De pés descalços, tez morena, cintura estreita e com voz maviosa, a sua Avó dispunha-se a acartar cântaros de água para matar a sede de quem se matava a trabalhar pelos outros. Por uns poucos de tostões. E o seu Avô encantava-se mais e mais ainda com aquela que seria sempre a sua musa até ao fim dos seus dias.

Em retribuição, o Avô foi o seu companheiro. Trabalhou o que podia e o que não podia para que a sua família não passasse mal. Não bebia. Não lhe batia – coisa rara naqueles tempos. E foi sempre um bom homem. Só para ser o Homem da sua Avó.

Enquanto acarinhava a face suave do seu neto com gestos gentis que transbordavam das suas mãos calejadas, a Avó ía narrando estas e outras histórias. E, por vezes, parava de falar e entregava-se em silêncio às suas recordações mescladas de tristezas e alegrias, enquanto que ele, indiferente aos sentimentos de gente adulta e libertando-se das suas mãos, começava a perseguir um gato ou uma galinha, apenas com o objectivo em mente de lhes aplicar as já intemporais torturas infantis.

Hoje, o dia solarengo incentivava-o a que aventurasse por aqueles carreiros gravados por pés iguais aos dele, entre eles os da sua Avó e do seu Avô, ao longo dos muitos anos que foram passando desde que a terra é terra. Sentia-se livre como já não sentia fazia dias.

Parecia-lhe que tinham sido anos.

Nos últimos dias de Abril tinha chovido ininterruptamente e, desde que regressara à antiga morada da sua família, tinha a sensação que nunca mais voltaria a ver um dia de Sol. Embora reconhecesse agora que tinha exagerado. Em Abril, seriam sempre águas mil.

Vinha-lhe agora à memória ensinamentos recônditos que a sua Avó, conhecedora profunda destes dogmas agrícolas, lhe tinha transmitido. Embora fossem as suas canções e histórias de que ele queria recordar-se Hoje. Epicentro da infância e do toque das mãos de velha de que já não se encontravam ali perto dele para o confortar.